Wednesday, March 12, 2008

TOM ROBINSON BAND 2-4-6-8 MOTORWAY

Os clássicos pop-rock-pre-pós-punk têm sempre qualquer coisa de incompreensível, indescritível e sobretudo viciante…
TRB, neste tema. é virtualmente o hino da adolescência…

E a letra!?

Drive my truck midway to the motorway station
Fairlane cruiser coming up on the left hand side
Headlight shining, driving rain on the window frame
Little young Lady Stardust hitching a ride... and it's

Whizzkid sitting pretty on your two-wheel stallion
This ol' ten-ton lorry got a bead on you
Ain't no use setting up with a bad companion
Ain't nobody get the better of you-know-who

Battles (3-30-07, Empty Bottle, Chicago - ENTIRE CONCERT)

Ao vivo não têm o glamour 'arte contemporânea' do vídeo de Tonto, mas ganham em energia pura…

Battles - Tonto (from the album Mirrored)

Para quem se interesse por um mínimo de estranheza audível – e cujos discos de Van der Graaf, The Fall ou Einstürzende Neubauten estejam a ficar gastos, eis um pequeno prazer oferecido pela contemporaneidade.

Interessa sobremaneira o som – mantras pseudo complexos com o groove rock lá dentro, mas não menos impactante, pelo menos no palco do google, este delicioso vídeo-luz: creio que pelos particularmente inspirados United Visual Artists, de Londres.

Negrume neo-matemático, mas com a alma iluminada.

Saturday, March 8, 2008

Amigos da onça I: António Contador


Por conta e risco de cada um.

http://www.myspace.com/antoniocontador

Ou ainda

http://www.bodyspace.net/artigos.php?rub_id=101

MANUFAKTOR ou a doce anarquia dos bichos da cidade












Cristiano Mira, Nuno Pereira, Bruno Perdiz e Hélder Alfaiate são os MANUFAKTOR [manufactor2006@gmail.com], colectivo de artistas sedeado em Caldas da Rainha e com umbilical ligação à ESAD.CR. Um trabalho colectivo – enquanto as esparsas solicitações de juventude o permitem – para desfrutar como oásis de falsa ingenuidade. Figuras e formas compostas-compósitas, desenhadas com metódico abandono – em transe? –, remetendo para muitos imaginários amalgamados, surgem na actualidade como possibilidade de uma arte estranhamente decorativa para o poder mágico, hipnótico e desestabilizador que tem. Num quarto, numa galeria, nas páginas de um fanzine, na cidade – a cultura dos stickers está-lhes na pele –, o 'factor-mão' é afinal signo de uma doce anarquia. Apareçam, que crescidos já estão!

John Roberts – Leitura obrigatória!




A descoberta de um autor incontornável para uma Teoria decente sobre Arte Contemporânea…

John Roberts
The Intangibilities of Form: Skill and Deskilling in Art After the Readymade

Many people who look at art today decry it for the lack of craft skill in its production, whether it be painting, photography or sculpture. In "Intangibilities of Form", John Roberts sheds an entirely new light on this obsolescence of traditional craft skills in contemporary art, exploring the technological and social developments that gave rise to those postmodern theories that suggest that art may not require an author and certainly not one with any technical ability. Envisioning Marcel Duchamp as a theorist of artistic labour, Roberts describes how he opened up new circuits of authorship to the artist. He then looks at how these approaches proliferated in art after the 1960s and in the rise of Conceptual art. In explaining why the question of authorship has been so fundamental to avant-garde art and neo-avant-garde in the 20th century, "The Intangibilities of Form" is a formidable history of the hidden labours of the artwork.

In http://www.amazon.co.uk/Intangibilities-Form-Skill-Deskilling-Readymade/dp/1844671674

Bruno Jamaica vs Bruno Jamaica – A Arte continua!

É só continuar a acompanhar o trabalho deste jovem artista…

http://bm81.blogspot.com/

Lyon, Fête des Lumières, uma viagem sentimental












Lyon. Viagem sentimental

Lyon é uma cidade francesa onde vive milhão e meio de habitantes. Em Dezembro, anualmente, um esforço conjunto de entidades municipais, eclesiásticas, empresas e instituições dá corpo a uma celebração da Luz muito particular: a Fête des Lumières .


Espírito de celebração

Na verdade, o Município actualizou e dinamizou uma tradição religiosa antiga, a de celebrar o 8 de Dezembro [ver caixa], num evento que alia emoções espirituais a um certo sentido de destino colectivo. De forma progressiva, mas imparável, Lyon adaptou tal celebração às exigências de marketing, imagem, afluência e consumo que hoje parecem constituir o essencial da ementa saudável de qualquer cidade contemporânea que assuma para o seu Projecto Urbano uma estratégia clara de posicionamento próprio no mercado competitivo das urbes europeias.
Em Lyon, um princípio salta à vista: o desejo de trabalhar o tema da Luz exaustivamente, em vários domínios da actividade – urbanístico, empresarial, cultural –; esse desejo, nem sempre levado ainda tão longe quanto possível pelas autoridades, gera ainda assim uma dinâmica que depois o ultrapassa: durante a Festa das Luzes, Lyon recebe environ 4 milhões de pessoas nas suas ruas, números que autorizam a todo os seus responsáveis efusivas extrapolações! De facto, não há um hotel com quartos disponíveis, não há mesas vagas nos restaurantes, é grande a dificuldade de circular em determinadas ruas apinhadas de gente… Durante quatro dias – a estratégia é a da condensação temporal dos eventos –, um cocktail de ideias feitas, criatividade, investimento, boa vontade e uma elegância toda ela francesa – afinal França é o País do savoir faire – criam um evento que, apesar de profundas mudanças ao longo dos tempos, é o ex-libris da cidade e da região. E se a Festa das Luzes – hoje celebração com clara vertente espectacular, tecnologicamente evoluída, tirando partido de todas as armas da comunicação em contexto urbano, da iluminação pública aos painéis publicitários – mantém e aumenta o seu poder de atracção de ano para ano, será interessante perceber porquê e de que maneira as decisões estratégicas que estão por detrás têm sido fundamentais para este sucesso.


Ovo de Colombo: a Luz Urbana

A Luz foi o ‘ovo de Colombo’ que as autoridade souberam aproveitar. Um bem aproveitado traço popular ancestral e de boa vontade espiritual foi o cadinho para uma canalização, na actualidade, de toda a energia positiva de uma cidade, em prol de uma visão moderna da vida urbana, corolário de estratégias concretas que vêm de trás, desenvolvidas com alguma regularidade desde há cerca de três décadas e entretanto absolutamente consolidadas [desde há 10 anos]. Das primeiras ideias do designer-de-luz Laurent Fachard [director artístico das primeiras edições e que desenvolveu a base para o que a Fête des Lumières é hoje], à ideia-farol que foi tornar Lyon a cidade-mãe da rede mundial de cidades-luz, a LUCI , o que se vê na actualidade é uma cidade autorizar a um evento seu a mobilidade e a visão de o ir adaptando a diferentes objectivos parcelares, mas sempre complementares. Se por exemplo, em 2005, a curadoria da Festa das Luzes, por Claire Peillod, foi orientada para a arte contemporânea, a edição de 2007 procurou o compromisso ‘espectáculo-arte-educação’ – mas em nenhum momento deste percurso foi pervertida a dimensão original e fundadora: um travo religiososo e espiritual que se revela pretexto para uma festa social com uma dimensão de Festival Urbano, de que não há muitos mais exemplos na Europa ou a nível mundial.

Nichos

Este tipo de escala de intervenção – com um investimento em comunicação evidente e bairros inteiros cortados ao trânsito viário, para permitir a circulação dos transeuntes – vive por outro lado da atenção aos diferentes nichos de mercado cultural, sem os quais este tipo de evento se tornaria uma mera manifestação de massas sem interesse crítico ou estratégico. Assim, é possível estar em Lyon e até, altivamente, desprezar as manifestações mais espectaculares e populares, para seguir percursos alternativos em bairros não-turísticos – o sub-festival Superflux, organizado pela Galeria Roger Tator e subvencionado como ‘Evento-Off’ pela própria Fête é um exemplo da aplicação de fundos mínimos com resultados evidentes. Ou aproveitar para deitar olho à Bienal de Arte Contemporânea de Lyon que decorre, naturalmente, durante o mesmo período.
Para o que interessa a esta publicação, a Festa de Lyon deve ser entendida como uma operação, em grande escala, de atracção de intelligentsia, opinion-makers, criadores, marketeers, empresários, técnicos, e naturalmente muito público, que ali se deslocam para ver uma cidade com projecto e simultaneamente gente disponível para esse projecto, em rara simbiose. Em festa.
Na prática, surgem então as ocasiões para encontros profissionais específicos, que tiram proveito da magia envolvente para atrair participantes. Foi o caso da emergemte INFL – International Network of Festivals of Light, que reúne de forma informal, se bem que com o apoio logístico e organizacional não apenas da cidade de Lyon, como da holandesa Eindhoven – não apenas os directores de diferentes Festivais de Luz pela Europa fora – de Lyon a Eindhoven, de Glasgow a Lisboa, de Ljubljana a Helsínquia –, mas também profissionais, representantes de empresas de equipamentos, docentes e estudantes universitários, com algo em comum: a ideia de que a Luz é um tópico central da Cultura e da Cidade contemporâneas. Em suma, a cidade engalana-se para fornecer oportunidades de convívio, negócio, fruição aos seus visitantes, recolhendo um capital de simpatia, notoriedade e memorabilidade excepcional.


Imagens de sonho

Uma cidade é feita das imagens que dela vamos construindo – a Nova Iorque dos filmes [e em particular de Woody Allen], a Veneza da Bienal ou de Visconti, a Marraquexe da Praça Jemaa el Fna [eternizada por Hitchcock n’O Homem que sabia demais ou ‘apropriada’ por Page e Plant no DVD No Quarter…] – imagens mediatizadas competem brutalmente com a vivência pessoal que possamos ter/vir a ter dos espaços em si – essa é a sua força persuasora. Este é tempo da Imagem e de celebração de uma omnipotente e veloz cultura retiniana. Mas curiosamente, Lyon apostou num acontecimento que mantém, ao mesmo tempo, uma extraordinária capacidade de valorizar o factor humano e convivial, aliando a tecnologia e a criatividade dos iluminadores a um contexto popular [bancas de ‘comes e bebes’, vinho quente a cada esquina…] que torna o acontecimento muito mais memorável que uma experiência puramente visual [sempre mais intelectual e menos total]. Isto explica que alguns dos mais interessantes projectos fossem por exemplo os realizados por estudantes , porque concretizados com garra e risco nos bairros onde as ruas eram mais à escala humana e do contacto físico [obrigatório, tal a mole de gente e a sua sofreguidão em ver na íntegra, programa na mão, as dezenas de peças…].
Depois há a questão da gestão da imagem ‘panorâmica’ da cidade-evento: de ambas as margens do Sena, havia perspectivas que durante qualquer passeio se sucediam e peças – como a dos cubos dinamicamente iluminados do interior – que funcionavam como mágicos pólos de atracção das pessoas, quer a uma grande distância, quer na proximidade.
As fotos são da designer sérvia/sueca Aleksandra Stratimirovic e da artista austríaca Teresa del Mar.

Varini em Londres






Este artista suíço desarma-nos pela simplicidade do conceito, a evidência do gesto. Tem nova intrevenção urbana em Londres.

De um único ponto, num local único, será possível experimentar a obra em pleno [enfim, não é bem assim, claro…]. O público terá de procurar, individualmente, o ponto exacto para desfrutar uma experiência visual [mas não só, claro…], extremamente individualizada, de arte urbana: a cidade abraçada por um gesto gráfico e geométrico, prodígio de produção e paciência.
Tecnicamente, trata-se escolher uma perspectiva sobre a cidade e de colar pedaços de papel colorido nos locais exactos de um conjunto de superfícies dessa paisagem, por forma a simular na perfeição uma pintura da realidade física da cidade, sendo revelada – a cada observador e apenas a cada um de cada vez – a perfeição geométrica de uma forma simples e universalmente perceptível.

O artista aplica aspectos formais da OP Art à realidade quotidiana, numa monumental performance baseada no olhar, em que é inerente uma particular posição simultanemante fisica e simbólica dos espectadores perante a obra (e a cidade-paisagem), uma posição que pressupõe, paradoxalmente, que o punctum artístico é igualmente consciencializado por pessoas fisicamente distantes umas das outras.

Javier Núñez Gasco. O ready-made institucional mete medo?



A prática artística de Javier de Nuñez Gasco investiga empiricamente, através de processos performativos, as patologias do nosso meio social. Sentindo-se e responsável pela consciência colectiva, cuja exploração integral, disfarçada de ironia, é objecto da sua vida e da sua obra, Gasco acede à sublimação do facto artístico, uma religião unipessoal, nihilismo consumado. Doce combustão do instersíicio. A Arte terá sempre a sua sombra, mas esta é em Gasco a desmultiplicada plasticidade do social.

Trabalhos recentes como as Resting Pieces são extraordinários modelos de criação, produção, fruição e gestão artística, mas aqui se dá conta, por ora, da peça realizada para a Luzboa em 2007: Misérias

Enquanto trabalho-em-progresso, Misérias Ilimitadas consiste na constituição de uma empresa, com o nome de Misérias Ilimitadas, Lda. No âmbito da Luzboa 2006, a empresa contratou pessoas a partir de um anúncio de imprensa publicado em vários jornais de edição nacional. Uma funcionária recebeu os mais de 300 telefonemas e, em conjunto com o artista, desenvolveram uma pré-selecção solicitando aos candidatos: Nome, Idade, Telefone, Motivação e Ocupação. Uma vez realizada esta pré-selecção, marcou-se uma data com os dezoito candidatos para uma entrevista na rua – Largio do Calhariz, junto à fachada da Companhia de Seguros Fidelidade, numa área com 3m2 que o artista demarcou com fita adesiva metalizada. Nessa entrevista, Cláudia Maranho [sócia, secretária e directora de recursos humanos], para além de recolher a informação relativa a cada candidato [BI, fotografia tipo-passe, CV, fotocópias do BI, n.º de contribuinte] forneceu a cada um deles um boletim de inscrição, um questionário com 14 perguntas e uma declaração visando a cedência de direitos de imagem; nessa mesma entrevista, um fotógrafo contratado pela empresa realizou uma fotografia com todos os candidatos sentados no solo, costas contra a parede de um prédio urbano, em posição de pedir esmola. Com todo este material, o artista escolheu três pessoas que foram finalmente contratadas pela Misérias Ilimitadas, Lda.: Lda. André Magalhães (20), Ricardo Guy (20) e Bruno Gomes (30).
No dia seguinte, Núñez Gascou marcou outra entrevista com os seleccionados para lhes explicar em que consistia o projecto, ministrar um workshop na rua e assinar um contrato com cada um. O trabalho consistiria em pedir esmola, junto de uma mala de couro negro e um cartaz em que foram montadas frases em néon vermelho, tipicamente utilizadas por mendigos. Estes trabalhadores desenvolveram a sua função no quadro de um contrato com a duração de dez dias, prevendo 6h de trabalho diárias, com intervalo para jantar, segurança social e o pagamento dos devidos impostos.
Durante os dez dias da Luzboa, Misérias Ilimitadas, Lda. foi apresentada em diversos pontos do percurso e envolvente, procurando tirar o melhor partido dos diferentes fluxos urbanos na área e das condições de acesso às caixas de alimentação eléctrica da rede pública, necessárias para iluminar os néons. Qaundo abordados pelso transeuntes, os mendigos tinham a obrigação de esclarecer a sua situação enquanto empregados da empresa e as suas funções no seio do projecto: pedir esmola e promover a caridade.
Javier Núñez Gasco nasceu em 1971, em Salamanca. A sua prática artística investiga empiricamente, através de processos performativos, as patologias do meio social. Núñez Gasco sente-se responsável pela consciência colectiva, cuja exploração integral, disfarçada de ironia, é o objecto da sua vida e da sua obra.

Outra arte pública, ou a estátua de ferro a arder

Javi apresentou à Luzboa uma peça complexa ao nível da sua produção e das suas virtualidades simbólicas. Misérias revelou-se desde o início não apenas uma obra, mas uma meta-obra, excitando o debate nas margens do que se convenciona o campo da arte. Como no espectáculo da Gulbenkian, tratou-se de um trabalho com regras explícitas e uma discurso luminosamente evidente.

Em outras obras, Núñez Gasco tem colocado em jogo a sua imagem, a sua saúde, a sua identidade, o seu corpo, o seu equilíbrio, o seu ser. São obras que interrogam limites por via de uma disponibilidade para a imolação no palco social. Mas em Misérias Ilimitadas, Lda, Núñez Gasco partiu da proposta exterior de uma metáfora operativa, a Luz, para elaborar uma peça-estrutura, com capacidade estratégica ao nível da sua interrelação com os domínios não apenas da Arte, mas dos Media ou do mero quotidiano da Baixa de uma Capital Europeia. Essa faceta explosiva da peça interrogou formal e informalmente, física e retoricamente, limites e condicionantes da vida em sociedade, numa operação que teria por resultado, para muitos, o típico mal-estar quando somos interrogados no campo da ética, com todas as suas implicações, nomeadamente comportamentais e jurídicas.

Se o trabalho de Núñez Gasco sintetiza um modelo de reflexão individual projectado em múltiplas citações de habitus sociais – com destaque para o ‘mundo da arte’ que subtil mas demolidoramente manipula em nome de um projecto de vida que da Arte retira tudo e nada – não deixa de ser ele próprio a colocação em marcha de um conjunto de dispositivos que releva de uma ciência [do] social, radicalmente experimental.

Núñez Gasco propõe uma arte intersticial nas estratégias de ocupação dos espaços, difusa nas consequências comunicacionais, mas absolutamente controlada nos seus limites e estruturas formais [eis o traço genérico dos maiores artistas, pelo menos daqueles cujo trabalho é simultaneamente um modelo em aberto, transparente e acessível a qualquer interessado]. Por isso é quase irrelevante discutir-se a dimensão estritamente estética – performance, happening, instalação, denúncia, provocação, paródia…? – e muito mais interessante inferir os traços de uma táctica de sobrevivência moral num mundo absurdo e alienado. Não é desta que voltarei a Kafka, ainda que fosse ocasião fácil; apenas porque importa mais, nos limites deste texto, explicitar como uma obra que é profundamente dependente dos media – essa hidra do ‘baixo’– é ao mesmo tempo um território de liberdade, consciência e autonomia. Não era preciso mais para considerar esta a arte possível e capaz para o tempo-écran que nos cerca.


Para o campo cultural, embevecido na sua taste-trip egocêntrica e pequeno-burguesa, terá passado despercebido que, no dia em que a Luzboa era chamada de capa nos principais jornais de referência, os ‘mendigos profissionais’ de Núñez Gasco faziam o pleno das contracapas dos tablóides e jornais sensacionalistas. Com direito, nos dias seguintes, a um bom número de conversas cruzadas na blogosfera. Réussite de uma cedência à linguagem media? De todo: tão só a eficaz manipulação de uma linguagem plástica como poucas – a retórica – para expor um convincente mecanismo de debate sobre aspectos tabu para a opinião pública.

Acusação possível, a mesma de sempre: a Arte solucionou ou sequer apontou soluções para alguns dos problemas levantantados [e não estou a falar dos mais evidentes]? Se o retorno crítico ao situacionismo parece ser um traço da contemporaneidade, tiene mucho de metafísica barata, una suerte de cóctel en el que el marxismo es, ante todo, una pose ‚correcta‘, cuando la mueca cínica domina todas las actitudes teóricas. Só que… algumas obras evitam o logro do chamamento – o ‚vem‘ que Derrida outorga à Desconstrução ou que subjaz a muita arte participativa – e conseguem ultrapassar a 'pose‘ ou bandeira para se converterem em cerimónias, rituais geradores de experiência, pulverizando a rotina estética, esa hibernación pavorosa en la que están localizadas muchas obras. Obras como esta de Núñez Gasco celebram portanto o Espaço Público, enquanto território urbano e conceito existencial. Porém, num registo que não o da mera teatralização do social, mas de concentração em fluxo, em aberto e em progresso, da própria plasticidade desse social. Recusam o conforto do proscénio [da Arte], dispõem-se como reformulação contemporânea do Realismo. Neste caso, no quadro do que Javier denomina 'ready made institucional‘.


Para a Luzboa, foi acima de tudo uma experiência directa do urbano e das suas consequências, um exercício de contacto com o Outro [mais que o Outro habitual da relação classe dominante / público cultural, não deixo de destacar a importância de inúmeros transeuntes terem tido contacto com o Outro da Arte que foi o próprio Núñez Gasco em acção]. Uma iluminação pois, fugaz, frágil, contestada e inquirida a partir de várias esferas do poder executivo da cidade, mas recebida com absoluto fair-play e curiosidade natural por parte de quem mais interessava atingir: o espectador comum, próximo, em relação.

A essência deste trabalho profundamente humano foi surpreendidada por Malek Abbou numa das suas crónicas: Para além da mensagem que manifesta, o projecto de Núñez Gasco é um combate sempre activo, uma guerrilha táctica contra o peso ubíquo de uma máquina universal de triturar o humano. Mas é Delfim Sardo que nos ajuda a indagar o modo estritamente artístico por via do qual o artista leva o seu projecto avante: É uma constante do teu trabalho adoptar essa postura de te situares ‘do outro lado’, mostrando o reverso da moeda […]? Intrusão virulenta, nas palavras do próprio Gasco, para quem a moeda, afinal, ainda que caindo ao solo, é como se não parasse de rodopiar…

Se a ironia e a dimensão lúdica desta obra prevalecessem, não teria a mesma, quanto a mim, mais interesse que qualquer excrecência da estética do dejecto e da irrisão que povoa inúmeras colecções, museus e exposições. Mas aqui o absurdo é como em Kafka, actuante. Para Javier Núñez Gasco lo artístico se ha convertido en un juego con el que conjurar ese panorama de estímulos inconexos y discontinuos que nos mantienen aferrados a la promesa de premios sabiamente dosificados por el poder adquisitivo. La estadística del éxito convierte esas promesas difundidas para todos en mentiras para la mayoría. Lo artístico se vuelve así una ludopatía invertida, una consciencia crítica que revierte un proceso de reflejos condicionados para afirmarse en la ironía. […] Javier Núñez Gasco ensaya haí una respuesta estética al enorme potencial de estímulos con que nuestro mundo reviste sus ofertas y sus promesas siempre postergadas. Como que indexando comportamentos , o Artista – reencarnação de palhaço-ilusionista-bobo-santo – mapeia-nos incongruências e logros que subsistem não apenas no quotidiano mas na própria filosofia e essência da nossa urbanidade, brutais na sua inevitável banalidade.

A ideologia, aqui, é liminarmente ultrapassada, assim parece; mas o que alguns entendem como religião unipessoal [ainda Trigueros], prefiro ver como contributo único e indivisível, missão portanto, Missão. Daí fazer sentido evocarmos uma obra como Autorretrato, de 2005 . Essa obra que pode ser várias vezes repetida na sua unicidade, em diversos lugares, em diferentes condições da existência, em acto de imolação plenamente auto-justificado porque espiritual. Kafka usava o termo ‘indestrutível’, tão mais apropriado à figura e ao desígnio de Javi.

Em suma, há artistas que tudo o que tocam transformam em resíduo – ver a profunda crítica da Arte Dejectual empreendida por Jean Clair em De Immundo . Há artistas que tudo o que tocam iluminam, e neste caso, também ‘incendeiam’. Há os consumidos e os que por nós, em nós, se consomem. Conferir a luz-em-fluxo tal como enunciada por Christine Buci-Glucksmann em Esthétique de l’Éphémère.


Porque artista em contínua combustão, programar Núñez Gasco numa Bienal é no mínimo um risco; temos medo dele. Como noutro tempo tive oportunidade de ver em Francisco Tropa , sabemos porém, ao mesmo tempo, que cada gesto virá enformado de uma gravidade genial, e de uma graça veloz. Gravity and grace, fugidias como o tempo, mas ali, prontas para um contacto directo com os fruidores casuais: Como artista, quiero dar a mis obras la apertura suficiente para que sea el espectador quien emita el veredicto final. Renuncio voluntaria y conscientemente al papel de juez privilegiado. Es más, siempre espero que las diversas lecturas de cada espectador enriquezcan y superen mis propias expectativas. Personalmente, me siento totalmente inmerso en esas realidades y por eso mismo no deseo valorarlas. Soy, no sólo cómplice sino protagonista, es decir, soy el propio conflicto.

[…]

De obra em obra , num continuum de acções interligadas, o projecto artístico de Núñez Gasco encontrou na Luzboa uma das suas expressões mais felizes, porque mais objectivamente ancorada num real de proximidade, em espaços públicos frequentados por milhares de pessoas que interagiram com a obra aos mais diversos níveis e com consequências absolutamente díspares. Também uma das expressões mais felizes porque concretizou algumas premissas do evento que as obras mais visuais, em sentido estrito, não poderiam empreender. Refiro-me à capacidade de ser simultaneamente hiper-realista e abstracto ; de, por via da Luz, tanto em sentido material como figurado, comunicar e ser Arte, em simultâneo e sem fragilizar qualquer destes pólos da criação contemporânea.

Afirma Gasco: Digamos que coloco interruptores, que expongo ideas para que cada persona saque sus conclusiones. El espectador forma parte de la obra, la completa. Espero eu que o leitor complete, por sua vez, o desafio deste texto: o de procurar surpreender nos Gascos deste mundo, e são poucos, o modelo confrontacional para uma verdadeira ‘arte do espaço público’, esplendor [e miséria?…] da indeterminação e da utopia em construção.


Ver mais em Javier Nuñez Gasco, livro-catálogo sobre Javier Nuñes Gasco, DA2 Domus Artium 2002, Salamanca, 2007. Contém a citada entrevista com Delfim Sardo.

As fotos aqui publicadas são da autoria de Daniel Malhão.

João Ribeiro Pintor




Nem por um momento a pintura de João Ribeiro é uma pintura-janela. Ela é sempre pintura-pintura, acumulação – em sentido literal – de pinturas, sucessivos momentos de implicância que vão saturando o espaço visual de informação gráfica – mesclas de cor, pinceladas e contrapinceladas, texturas e patines, relações forma-fundo – até que, como acontece nestas últimas pinturas, determinadas configurações assumem o protagonismo de signos, normalmente por via da criação de sombreados e outras estratégias, como a posição centrada relativamente ao campo da tela. Tais signos destacam-se do fundo e tornam-se então palavra central de uma narrativa que cumpre ao espectador investigar – e várias pistas são relativamente óbvias.

Claro que estas pinturas não são desenhos com fundos pictóricos, porque cada centímetro da tela tem um investimento de mão, de tempo e de sentido, que convoca a obra, no limite, para um duplo estatuto: ser toda ela pintura, tanto no aparente tema central, como no aparente tema-fundo. Esta dupla – esquizofrénica – vocação afasta de João Ribeiro os que procuram mantras de texturas e cores exclusivamente abstractas, a condizer com os sofás; e também os que exigiriam à obra uma maior inequivocidade dos motivos culturais, maior codificação. Imersas na convicção do criador, ambas as tendências, uma para o silêncio e outra para a comunicação, degladiam-se e tornam as pinturas afinal mais contemporâneas e pós-modernas – no bom sentido – que o que se poderia pensar. Mas não é cínica esta teimosia no pintar de João Ribeiro; é natural, como é metódica a investigação sobre as formas, as opções expositivas, o imaginário (recorrente de pinturas para pinturas). E esta naturalidade revela-se constância, não tanto por se organizar em séries reconhecíveis, mas sobretudo por manifestar a persistência do seu autor em partilhar a sua relação crítica e desconstrutiva com as formas adquiridas da Cultura, o que faz de cada exposição um patamar decisivo num processo de autoconhecimtno (da parte do Pintor) e uma demarcação pública de nós de significado na esfera da Cultura, entendida como nobre plataforma de encontros proporcionados pela elite dos deuses: os artistas.

Deuses de jardim, neste contexto, e no momento que João Ribeiro atravessa, carrega de beleza e ironia desencantadas uma leitura sui-generis da sociedade e da política. Os escorridos aí estão: lágrimas? Raiva? Certamente um gesto bad, pequena radicalidade do pintor-maduro-que-não-quer-deixar-de-ser-ele-próprio. Escorridos e aguados, em contradição libertária e quasi-exuberante metonímia do íntimo indizível, são um aspecto da resposta do João ao calculismo da Arte Contemporânea, que paradoxalmente até podem relançá-lo nos territórios florescentes da Arte do Mercado.

Serão os deuses de jardim – e os deuses de Jardim... – que levam estas palavras para o vocabulário botânico? Ou é a própria essência deste corpo de trabalho, investido de gesto, espírito e cor, que de forma natural (!) nos levam a repensar o nosso lugar no mundo e na sociedade? Mas se o Poder é um tema-chave na abordagem desta pintura, trata-se não somente da constatação e crítica do poder dos pequenos ditadores, quotidianos e burocratas, mas o Elogio do Poder Criador, a moral que borra a pintura, alimentando, senão inaugurando, um Éden de símbolos.


O resto é a música que se ouve no ateliê. Free-jazz. O mesmo imparável ritmo de trabalho e imersão total no som da pintura, que se espera se faça ouvir insolentemente no espaço concentrado da Biblioteca, a si mesmo enquanto arte e a si mesmo enquanto vida microscópica, e afinal soberana, na sua ética e na sua orgânica. Fulgurante Vida de animais e plantas no terreno sincrético do Conhecimento.

TXT para exposição Deuses de Jardim na Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, Monte de Caparica, Maio a Julho 2007