Saturday, March 8, 2008
Lyon, Fête des Lumières, uma viagem sentimental
Lyon. Viagem sentimental
Lyon é uma cidade francesa onde vive milhão e meio de habitantes. Em Dezembro, anualmente, um esforço conjunto de entidades municipais, eclesiásticas, empresas e instituições dá corpo a uma celebração da Luz muito particular: a Fête des Lumières .
Espírito de celebração
Na verdade, o Município actualizou e dinamizou uma tradição religiosa antiga, a de celebrar o 8 de Dezembro [ver caixa], num evento que alia emoções espirituais a um certo sentido de destino colectivo. De forma progressiva, mas imparável, Lyon adaptou tal celebração às exigências de marketing, imagem, afluência e consumo que hoje parecem constituir o essencial da ementa saudável de qualquer cidade contemporânea que assuma para o seu Projecto Urbano uma estratégia clara de posicionamento próprio no mercado competitivo das urbes europeias.
Em Lyon, um princípio salta à vista: o desejo de trabalhar o tema da Luz exaustivamente, em vários domínios da actividade – urbanístico, empresarial, cultural –; esse desejo, nem sempre levado ainda tão longe quanto possível pelas autoridades, gera ainda assim uma dinâmica que depois o ultrapassa: durante a Festa das Luzes, Lyon recebe environ 4 milhões de pessoas nas suas ruas, números que autorizam a todo os seus responsáveis efusivas extrapolações! De facto, não há um hotel com quartos disponíveis, não há mesas vagas nos restaurantes, é grande a dificuldade de circular em determinadas ruas apinhadas de gente… Durante quatro dias – a estratégia é a da condensação temporal dos eventos –, um cocktail de ideias feitas, criatividade, investimento, boa vontade e uma elegância toda ela francesa – afinal França é o País do savoir faire – criam um evento que, apesar de profundas mudanças ao longo dos tempos, é o ex-libris da cidade e da região. E se a Festa das Luzes – hoje celebração com clara vertente espectacular, tecnologicamente evoluída, tirando partido de todas as armas da comunicação em contexto urbano, da iluminação pública aos painéis publicitários – mantém e aumenta o seu poder de atracção de ano para ano, será interessante perceber porquê e de que maneira as decisões estratégicas que estão por detrás têm sido fundamentais para este sucesso.
Ovo de Colombo: a Luz Urbana
A Luz foi o ‘ovo de Colombo’ que as autoridade souberam aproveitar. Um bem aproveitado traço popular ancestral e de boa vontade espiritual foi o cadinho para uma canalização, na actualidade, de toda a energia positiva de uma cidade, em prol de uma visão moderna da vida urbana, corolário de estratégias concretas que vêm de trás, desenvolvidas com alguma regularidade desde há cerca de três décadas e entretanto absolutamente consolidadas [desde há 10 anos]. Das primeiras ideias do designer-de-luz Laurent Fachard [director artístico das primeiras edições e que desenvolveu a base para o que a Fête des Lumières é hoje], à ideia-farol que foi tornar Lyon a cidade-mãe da rede mundial de cidades-luz, a LUCI , o que se vê na actualidade é uma cidade autorizar a um evento seu a mobilidade e a visão de o ir adaptando a diferentes objectivos parcelares, mas sempre complementares. Se por exemplo, em 2005, a curadoria da Festa das Luzes, por Claire Peillod, foi orientada para a arte contemporânea, a edição de 2007 procurou o compromisso ‘espectáculo-arte-educação’ – mas em nenhum momento deste percurso foi pervertida a dimensão original e fundadora: um travo religiososo e espiritual que se revela pretexto para uma festa social com uma dimensão de Festival Urbano, de que não há muitos mais exemplos na Europa ou a nível mundial.
Nichos
Este tipo de escala de intervenção – com um investimento em comunicação evidente e bairros inteiros cortados ao trânsito viário, para permitir a circulação dos transeuntes – vive por outro lado da atenção aos diferentes nichos de mercado cultural, sem os quais este tipo de evento se tornaria uma mera manifestação de massas sem interesse crítico ou estratégico. Assim, é possível estar em Lyon e até, altivamente, desprezar as manifestações mais espectaculares e populares, para seguir percursos alternativos em bairros não-turísticos – o sub-festival Superflux, organizado pela Galeria Roger Tator e subvencionado como ‘Evento-Off’ pela própria Fête é um exemplo da aplicação de fundos mínimos com resultados evidentes. Ou aproveitar para deitar olho à Bienal de Arte Contemporânea de Lyon que decorre, naturalmente, durante o mesmo período.
Para o que interessa a esta publicação, a Festa de Lyon deve ser entendida como uma operação, em grande escala, de atracção de intelligentsia, opinion-makers, criadores, marketeers, empresários, técnicos, e naturalmente muito público, que ali se deslocam para ver uma cidade com projecto e simultaneamente gente disponível para esse projecto, em rara simbiose. Em festa.
Na prática, surgem então as ocasiões para encontros profissionais específicos, que tiram proveito da magia envolvente para atrair participantes. Foi o caso da emergemte INFL – International Network of Festivals of Light, que reúne de forma informal, se bem que com o apoio logístico e organizacional não apenas da cidade de Lyon, como da holandesa Eindhoven – não apenas os directores de diferentes Festivais de Luz pela Europa fora – de Lyon a Eindhoven, de Glasgow a Lisboa, de Ljubljana a Helsínquia –, mas também profissionais, representantes de empresas de equipamentos, docentes e estudantes universitários, com algo em comum: a ideia de que a Luz é um tópico central da Cultura e da Cidade contemporâneas. Em suma, a cidade engalana-se para fornecer oportunidades de convívio, negócio, fruição aos seus visitantes, recolhendo um capital de simpatia, notoriedade e memorabilidade excepcional.
Imagens de sonho
Uma cidade é feita das imagens que dela vamos construindo – a Nova Iorque dos filmes [e em particular de Woody Allen], a Veneza da Bienal ou de Visconti, a Marraquexe da Praça Jemaa el Fna [eternizada por Hitchcock n’O Homem que sabia demais ou ‘apropriada’ por Page e Plant no DVD No Quarter…] – imagens mediatizadas competem brutalmente com a vivência pessoal que possamos ter/vir a ter dos espaços em si – essa é a sua força persuasora. Este é tempo da Imagem e de celebração de uma omnipotente e veloz cultura retiniana. Mas curiosamente, Lyon apostou num acontecimento que mantém, ao mesmo tempo, uma extraordinária capacidade de valorizar o factor humano e convivial, aliando a tecnologia e a criatividade dos iluminadores a um contexto popular [bancas de ‘comes e bebes’, vinho quente a cada esquina…] que torna o acontecimento muito mais memorável que uma experiência puramente visual [sempre mais intelectual e menos total]. Isto explica que alguns dos mais interessantes projectos fossem por exemplo os realizados por estudantes , porque concretizados com garra e risco nos bairros onde as ruas eram mais à escala humana e do contacto físico [obrigatório, tal a mole de gente e a sua sofreguidão em ver na íntegra, programa na mão, as dezenas de peças…].
Depois há a questão da gestão da imagem ‘panorâmica’ da cidade-evento: de ambas as margens do Sena, havia perspectivas que durante qualquer passeio se sucediam e peças – como a dos cubos dinamicamente iluminados do interior – que funcionavam como mágicos pólos de atracção das pessoas, quer a uma grande distância, quer na proximidade.
As fotos são da designer sérvia/sueca Aleksandra Stratimirovic e da artista austríaca Teresa del Mar.
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