Tuesday, May 22, 2007
Festival Glow brilha… em Eindhoven
Light as a complex phenomena needs sites which stimulate perception processes which go far beyond the visibility of the naked eye.
Stefan Hofmann
Eindhoven é a quinta maior cidade dos Países Baixos, com cerca de 200 000 habitantes. Deve o seu desenvolvimento industrial em grande parte à Philips, cuja primeira fábrica aí foi fundada. Em 1891, o objectivo de Frederik Philips e seu filho, Gerard, era o de criar lâmpadas baratas, eficientes e confiáveis. Hoje, a Philips, para além de inovar na área da Imagem ou das Tecnologias Médicas, ilumina monumentos mundialmente conhecidos e mantém na cidade os seus escritórios, onde funciona um centro de demonstração de tecnologias de iluminação.
Em Eindhoven, cidade que a II Guerra Mundial quase destruiu por completo – donde a modernidade dos seus edifícios – ao mesmo tempo que se respira a atmosfera pacata de uma pequena urbe europeia, vislumbram-se desde há alguns anos traços notórios de investimento num Conceito Urbano que associa o passado industrial, ligado à Iluminação, à busca de um desenho urbano integrado e à promoção de oportunidades de marketing estratégico. O Município local está interessado em promover a cidade como foco de investimento na área da Alta tecnologia e dá enorme importância à questão da criatividade. Daí à ‘Arte da Luz’ foi um passo.
Eindhoven integra as várias acções relacionadas com a Luz em contexto urbano numa ideia genérica mas clara: ‘Eindhoven City of Light’. Trata-se de um Plano que precisamente aglutina intervenções arquitecturais, projectos independentes, arte pública, festivais urbanos, toda a gama de acções que dão valor à componente Luz no Projecto Urbano. Esta dinâmica, pública e privada, articula ainda encontros, conferências e, em destaque, o estreitamento das relações com a LUCI – Lighting Urban Community International [Rede Mundial de Cidades-Luz que Eindhoven integra oficialmente desde 2007].
No quadro dos eventos preparatórios de Eindhoven City of Light, havia que desenvolver no final de 2006 um projecto experimental e artístico que, de forma efémera e recorrendo a um budget relativamente baixo, celebrasse o ambiente positivo da cidade e centrasse a opinião pública nas temáticas da Luz. Bettina Pelz, curadora do Festival Lichtrouten na Alemanha, lançou mãos à obra e reuniu na cidade, de 24 Novembro a 3 Dezembro, um programa diverso composto por 14 peças que dialogaram com a restante oferta da cidade de forma subtil. Sob a designação de GLOW – FORUM OF LIGHT IN ART AND ARCHITECTURE, artistas de vários países, representantes de vários festivais europeus [incluindo Portugal, com a Luzboa a ceder a obra Family Idea, de Ron Haselden, que esteve em 2004 nos Jardins do Parque Eduardo VII] proporcionaram uma mostra de arte urbana que primou pela rara associação entre inovação técnica e capacidade de adaptação ao meio urbano.
Estiveram presentes, entre outros, os artistas Francesco Mariotti, Richi Ferrero, Miriam Giessler e Hubert Sandmann, Lichtpunk, Maria Hansar, Klara Hobza, Rochus Aust; os criadores-produtores Peter Brdenk, Veronika Valk, Jean-François Arnaud, Jean-Claude Deschamps, Bettina Pelz e Tom Groll; todos eles, no seio de uma curadoria partilhada entre os alemães Bettina Pelz e Tom Groll, foram responsáveis por um conjunto de peças brilhantemente inseridas nos espaços da cidade – jardins, palácios, fachadas de edifícios, museus, cabines telefónicas…
A intenção do Evento era clara: agendar uma dimensão mais poética, mas também mais precisa e focada, da Arte da Luz. Fazê-lo ao longo das margens do Rio Dommel, onde a menor iluminação pública permitiria a cada obra apresentar-se em máximo esplendor, foi uma solução primorosa. De 24 de Novembro a 3 de Dezembro de 2006, esta opção revelou Eindhoven como um incontornável destino-Luz.
Um museu a arder?
O conjunto de obras constituiu um todo articulado, unido pela ideia de obscuridade e máximo cuidado na apropriação dos espaços públicos, donde que apenas pontualmente as peças se notabilizaram pela imponência. Foi bastante mais impressivo perceber como algumas delas davam a ver o desenho arquitectónico de edifícios, a vida dos espaços verdes ou de um lago, a própria intimidade de um hall de uma casa antiga. Aqui se apresentam algumas das obras que de forma mais original assumiram este programa, aliando dispositivos tecnológicos que raramente terão sido tão bem equlibrados com o sentido estético.
O concepção do evento de abertura foi entregue a Xavier de Richemont. O artista francês partiu da célebre máxima de Picasso – Queimem todos os museus – e literalmente – pelo menos a nível visual – pôs o importante Van Abbe Museum, uma instituição de referência da Arte Contemporânea… a arder. Foram usados três projectores Pani BP 6Gt, com gobos rotativos semelhantes a projectores de Teatro. O efeito, apesar de simples, é cinematográfico e dá realmente a ideia de que o Museu está em chamas… O som foi uma dimensão fundamental deste projecto: sincronizado com dezenas de projectores Citycolor e iluminação cénica vermelha, um sistema em surround ampliava os efeitos lumínicos com gravações do crepitar de chamas. Óbvio? Nem tanto, até pelo fair play de um Museu que aceita ver-se posto em causa, mesmo que metaforicamente!
In Sight de Tom Groll/Bettina Pelz foi talvez a intervenção mais impressionante, pela escala sobretudo, pelo rigor da montagem, pela relação com a história da cidade. Apenas com recurso a três projectores Pni [Modelo BP 6GT], a uma distância de 90m [o que fazia com que a fonte de luz e as estruturas de apoio fossem praticamente invisíveis], a Igreja de Sta. Catarina foi transformada numa presença estranha na cidade. Estranheza porém inspirada na realidade: diapositivos de grandes dimensões [15x15cm] projectaram na fachada, recortada na noite, manchas que no programa eram explicadas – mega-ampliações [1:3300] de fotografias das microestruturas das próprias madeiras utilizadas na construção do monumento – em resultado de um processo de análise e registo idêntico ao que sofreram as relíquias de esqueletos encontrados em escavações recentes na praça… De novo um delicado equilíbrio entre iconoclastia e veneração, que tão bem convém à arte em espaços públicos. Os diapositivos eram mudados de três em três dias, de contrário queimar-se-iam.
Tom Groll apresentou em nome próprio Talking Lights. Integrou bandas de RGB multicor nos vidros de três cabines telefónicas, fê-las reagir, por meio de tecnologia DMX, às qualidades acústicas das vozes dos transeuntes que entrassem e levantassem o auscultador, numa peça que é simultaneamente design de vanguarda e crítica da monotonia que normalmente define os equipamentos urbanos. Três cabines telefónicas passam a poder comunicar a sua presença e a dos seus utilizadores, emitindo na noite as múltiplas emoções que imaginamos povoam aquelas conversas. Uma obra de arte particularmente ‘útil’ se quisermos ultrapassar, nem que por apenas uns dias, a inóspita indiferença dos não-lugares.
Com z.T./w.T., o coreano Tae-Gon Kim. reservou-se a capacidade de… brilhar. A peça é pequena e até insignificante, se considermos a escala urbana. Mas as ideias não se medem assim, e mesmo nas fotografias o impacto da obra é inegável. Um vestido integralmente realizado em fibra óptica. Luz emitida e canalizada a partir de um projector de slides – uma das soluções técnicas surpreedentes da obra – alterando-se na temperatura de cor, como se de um cristal mecânico de tratasse. 80 variações para uma mesma magia, a de um vestido-pessoa em suspenso, à espera do fantasma de não sabemos que época ou lugar. Uma belíssima homenagem ao tempo!
Eindhoven revelou com o festival Glow uma abordagem muito válida da relação entre Arte e Cidade, num registo low profile e de enorme sensibilidade. Se cada cidade fosse como uma Vida, Glow terá sido um dia feliz na existência da Capital da Lâmpada. Philips teria gostado.
Mário Caeiro
IN SIGHT Manchas projectadas a toda altura da fachada da mais importante igreja de Eindhoven. Projecto de Bettina Pelz e Tom Groll. Foto de Claus Lager.
z.T./w.T. Emocionante e delicada presença etérea de um corpo. Fibra óptica trabalhada ao detalhe, com luz intermitências na potência e fluxo de luz – pelo artista coreano Tae-Gon Kim. Foto de Claus Lager.
SECOND SKIN Stefan Hoffmann interpreta a geometria de fachadas como se de uma ‘segunda pele’ se tratasse. Dinâmicas e fluidas, a projecção de linhas em lenta mas permanente evolução revela um quase primordial fascínio pela desenho e a geometria do edificado. Foto de Claus Lager.
TALKING LIGHTS Uma cabine telefónica que muda de cor, reagindo interactivamente às qualidades de cada voz que liga… Um projecto de Tom Groll. Foto de Claus Lager.
CAPSULE Surpresa no parque. O duo germânico Miriam Giessler & Hubert Sandmann num exercício de consciencialização ambiental. Foto de Claus Lager.
SWINGING IN THE LIGHT O Inverno pode ser divertido! Directamente da Estónia e de temperaturas abaixo dos 30º negativos, balouços-casulos para o transeunte urbano. Projecto de Veronika Valk. Foto de Claus Lager.
BE CAREFUL WITH LIGHT Peter Brdenk estabelece um padrão de máximo rigor na leitura minimal de uma fachada banal. Foto de Claus Lager.
QUANTUM FLOWERS Franceso Mariotti propôs uma peça sensível e delicada, espécie de nenúfar tecnológico realizado a partir da reutilização de garrafas de plástico. Os LED no interior, alimentados a energia solar, nem sempre fizeram justiça às ideias de um artista italiano de referência. O sol pouco brilhou. Foto de Claus Lager.
MIGRATION Jean-François Arnaud reinventou as gaivotas da Ilha de Rousseau por meio de projectores e imagens recortadas esvoaçando nos ramos de monumentais árvores. Um projecto estreado no festival Arbres et Lumières, de Genebra. Foto de Claus Lager.
Mais info: www.gloweindhoven.nl
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