Deslocámo-nos quarta passada, pelas 19h00 e em grupo, à Gulbenkian, logo após a experiência de ver pela primeira vez o domingueiro 'Por quem os sinos dobram' na Cinemateca, sessão da tarde repleta de resistentes. A Bergman de sweater verde imaculado, brancos dentes e perfeitos, em contraste com a justeza de Cooper - blusão eternamente de aviador -, as faces mascarradas dos guerrilheiros republicanos, a Guerra Civil de Espanha tornada pano de fundo de uma 'mera' história de amor. Estilização hollywoodesca e convenções romanescas à parte, quase choramos - agora exagero - no momento em que o herói argumenta, sem hipóteses de reacção, que Maria tem de ir porque leva consigo... ambos. Quinze minutos de conversa com o Warrior Nelson permitiram-me perceber como é bom ter amigos intelectuais que connosco descodificam os clássicos, esses mesmos que parece existirem PARA SEREM INTERPRETADOS.
Adiante: seguia-se uma sessão sempre imprevisível: clássica na Gulbenkian. Frio. Quente? Sem António Counter, que se cortou - deveria chamar-se antes 'Cortador'? - mas ainda com Warrior, Gorettski, Abrheu, Rod, Rita Maid, Sarmentium, mais trinta estudantes universitários que jamais tinham entrado numa sala solene como a do Grande Auditório. Helène Grimaud, Coro e Orquestra Gulbenkian, cento e cinquenta músicos em palco, dedicaram-se à rigorosa transposição do génio de Beethoven para uma actualidade em suspensão - apesar da charmosa distância da upperclass em final de tarde cultural. A hipótese: e se três peças do compositor alemão fossem o passaporte para a inelutável - nunca sei o que significa esta palavra, mas soa tão bem - presentificação do sublime numa demonstração brutal de que a beleza não apenas existe como se nos irrompe coração adentro a um momento de disponibilidade, tal como o beijo da Primavera quando menos esperamos? Sei que vários alunos choraram, eu próprio tive eloquentes visões que resguardarei. A música terá transportado tão alto uma presença colectiva que sentíamos, muitos de nós, coisas extremamente pessoais. Quanto a mim, fui sensível à confirmação do lugar primordial daqueles sons numa genealogia que pessoalmente reconhecerei até em Lennon/McCartney e nos mais requintados progressivos.
A soirée memorável ainda incluiria o Stravinski da Perséphone de Gide, Grimaud na voz - literalmente - e no corpo, bamboleando-se, nada neo-clássica - mas esta segunda parte não superaria a primeira. Nas margens do programa, mais rabiscos guerreiros, notas no rodapé do efémero que cada concerto - sobretudo como este - definitivamente consagra. There is no such moment as NOW.
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